Não se pode dizer qual é o melhor bolo-rei de Lisboa, do Porto ou de Portugal. O que se pode ir fazendo é provando os bolos-rei que nos aparecem à frente (leia-se “que nós perseguimos até aos confins da Terra”).
Discutir qual é o melhor bolo-rei é uma actividade infinita e deliciosa, até porque é sempre interrompida: “Sabes lá o que dizes! Tens é de provar o bolo-rei da Garrett — vou-te trazer um e depois falamos”.
A receita bem pode ser secreta mas cá para mim o verdadeiro segredo é que os mestres pasteleiros melhoram o bolo-rei de ano para ano. Todos os anos está um bocadinho melhor do que o anterior, tendo parecido no ano anterior que tinham atingido a perfeição. Lembro-me há uma década de achar que o bolo-rei deles, a ter algum defeito, era ter ovos a mais e, sendo fofo e amarelo de mais, não ter a secura que tanto se presta a um chá, um vinho do Porto, um vinho da Madeira ou um Moscatel de Setúbal.
A venda de bolos-rei está muitíssimo bem organizada, adaptando-se aos caprichos de cada um. Não nasceu ainda um lisboeta que apenas queira “um bolo rei”. Não. Quer um mais mal cozido, mais pesado, com menos frutos secos.
A massa do bolo-rei não é, ao contrário da maioria de bolos-rei, doce. É abaunilhada e generosa. O açúcar não abafa os sabores diferenciados das frutas e das passas, todas exímias. Todos os ingredientes são excelsos. As frutas cristalizadas do exterior — que costuma ser o calcanhar de Aquiles dos bolos-rei — são perfeitas. Se quiser fazer uma ideia do tempo que leva e da paciência e perícia que são necessárias para cristalizar fruta à velha moda francesa, consulte um bom manual de pastelaria: é de fugir!
Bolo-rei torrado é muito bom. Melhor ainda, quando já tiver mais de uma semana, é remover o exterior e fazer fatias da massa para torrar. Carameliza lindamente — cuidado que torra num instante — e ganha vida nova, ideal para acompanhar um café, um chá ou um bom whisky de malte. Há quem ponha manteiga mas acho que é um erro. O bom bolo-rei, como é o da Confeitaria Nacional (“por Balthazar Castanheiro”), já tem toda a bondade e majestade dentro dele.
(Miguel Esteves Cardoso, in Público)
Discutir qual é o melhor bolo-rei é uma actividade infinita e deliciosa, até porque é sempre interrompida: “Sabes lá o que dizes! Tens é de provar o bolo-rei da Garrett — vou-te trazer um e depois falamos”.
A receita bem pode ser secreta mas cá para mim o verdadeiro segredo é que os mestres pasteleiros melhoram o bolo-rei de ano para ano. Todos os anos está um bocadinho melhor do que o anterior, tendo parecido no ano anterior que tinham atingido a perfeição. Lembro-me há uma década de achar que o bolo-rei deles, a ter algum defeito, era ter ovos a mais e, sendo fofo e amarelo de mais, não ter a secura que tanto se presta a um chá, um vinho do Porto, um vinho da Madeira ou um Moscatel de Setúbal.
A venda de bolos-rei está muitíssimo bem organizada, adaptando-se aos caprichos de cada um. Não nasceu ainda um lisboeta que apenas queira “um bolo rei”. Não. Quer um mais mal cozido, mais pesado, com menos frutos secos.
A massa do bolo-rei não é, ao contrário da maioria de bolos-rei, doce. É abaunilhada e generosa. O açúcar não abafa os sabores diferenciados das frutas e das passas, todas exímias. Todos os ingredientes são excelsos. As frutas cristalizadas do exterior — que costuma ser o calcanhar de Aquiles dos bolos-rei — são perfeitas. Se quiser fazer uma ideia do tempo que leva e da paciência e perícia que são necessárias para cristalizar fruta à velha moda francesa, consulte um bom manual de pastelaria: é de fugir!
Bolo-rei torrado é muito bom. Melhor ainda, quando já tiver mais de uma semana, é remover o exterior e fazer fatias da massa para torrar. Carameliza lindamente — cuidado que torra num instante — e ganha vida nova, ideal para acompanhar um café, um chá ou um bom whisky de malte. Há quem ponha manteiga mas acho que é um erro. O bom bolo-rei, como é o da Confeitaria Nacional (“por Balthazar Castanheiro”), já tem toda a bondade e majestade dentro dele.
(Miguel Esteves Cardoso, in Público)
Miguel Esteves Cardoso é jornalista e um dos mais
notáveis escritores portugueses da sua geração. Nascido em Lisboa (1955), vive
em Colares (Sintra) e escreve diariamente no jornal Público.
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